Era uma vez o convencido Capuchinho Vermelho, que vivia com a mãe perto de um grande bosque (Monsanto). Num sábado de manha a mãe mandou-o levar um cesto a casa da avó - não porque tal fosse trabalho de homem, claro, mas porque se tratava de um acto generoso que contribuía para fomentar um sentimento de comunidade. Aliás, a avó dele não estava doente, encontrando-se, pelo contrário, de perfeita saúde física e mental, inteiramente capaz de cuidar de si, como adulta madura que era, embora se encontrasse de ressaca, algo já habitual depois de uma saída sexta à noite…Vai daí, Capuchinho Vermelho fez-se ao caminho pelo meio do bosque com o cesto enfiado no braço. Muitos achavam aquele bosque um lugar perigoso e de mau presságio, pelo que nunca lá punham os pés. Capuchinho Vermelho tinha, porém, tal confiança na sua sexualidade a desabrochar que não se deixava intimidar por tão óbvia imagética freudiana.A caminho da casa da avozinha, Capuchinho Vermelho encontrou um lobo, que lhe perguntou o que levava no cesto e este respondeu:
- São uns alimentos saudáveis para a minha avó, que é evidentemente capaz de tomar conta de si própria, como adulta madura que é.
-Oh meu ganzonias! Ou me passas a coca toda que aí tens ou começas a fazer colecção de tupperwares no rabinho!!! - retorquiu o lobo.
-Não te dou! Nem que comas a minha avó toda…
- Considero extremamente ofensiva a tua observação sexista, como se fosse algo que já não o tivesse feito! – disse o lobo mau.
- Ó meu quadrúpede peludo, pensas que eu não te topei logo com esses teus olhos em bico?! Vai lá dizer ao pessoal da Tríade que daqui não levam nada… E agora, se me dás licença, tenho de prosseguir o meu caminho.Capuchinho Vermelho continuou a andar, sempre pelo carreiro principal. No entanto, o lobo, cuja condição de excluído da sociedade o isentara da obediência escravizante ao raciocínio linear de tipo ocidental, conhecia um atalho para casa da avozinha. Irrompeu pela casa dentro e comeu a senhora, procedimento inteiramente adequado a um carnívoro, como era o seu caso. A seguir, liberto das noções rígidas e tradicionalistas quanto ao que era masculino ou feminino, vestiu a camisa de dormir da avozinha e enfiou-se na sua cama.Capuchinho Vermelho entrou na cabana e exclamou:- Ó vó já tenho aqui o material!
Da cama, o lobo respondeu, em voz sumida:
-Chega-te cá, meu netinho, para eu te ver.Capuchinho Vermelho torce o nariz e pensa( Bolas! Mas como é que é possível alguém não ver um ser alto, esbelto, entrocado, com um penteado á beckam e uma capa à super-homem com adaptação de capucho?!) mas acrescenta:
- Ah, é verdade! Já me esquecia de que a avozinha é opticamente tão limitada como um morcego… Mas, avozinha, que plástica nova é essa que os seus olhos ganharam um quê de oriental?!
- Já muito viram e muito perdoaram!
- E que grande nariz tem (em termos relativos, claro, e, de qualquer modo, atraente, à sua maneira).- Já muito snifou e muito perdoou, meu querido!
- E que grandes dentes tem!Aí o lobo disse:
- Então vais ver o sorriso pepsodente mais de perto!!! — E saltou para fora da cama, filando o cesto com as suas garras, pronto a devorá-lo.Capuchinho Vermelho gritou, não assustado com a aparente tendência do lobo para o travestismo, mas horrorizado com a invasão do seu espaço pessoal.Os seus gritos foram ouvidos por um lenhador (ou técnico de combustível lenhoso, como preferia que lhe chamassem) que passava ali perto. Quando irrompeu pela cabana, logo se apercebeu da confusão e tentou intervir. Mal ergueu no ar o seu machado, Capuchinho Vermelho e o lobo pararam de brigar.
- Que pensa que está a fazer seu Neanderthal? — perguntou CapuchinhoVermelho. O lenhador arregalou os olhos de espanto e fez menção de responder, mas nem uma palavra lhe ocorreu, pois tinha acabado de fitar pensativamente o cesto…
- Presumi que um jovem delinquente e um lobo travesti sejam incapazes de resolver os seus problemas sem a ajuda de um homem…- disse o lenhador. Nisto o capuchinho vermelho não se controla e diz:
- Você ofendeu de longe a minha inteligência sobrenatural, a minha esplendorosa beleza, o meu atlético físico e para não falar em todas as minhas restantes qualidades!
O lobo mau larga o cesto e diz indignado:
-Cale-se seu neto de uma velha demodé! Ao menos podia ter um vestido que combinasse com as minhas unhas…
E no meio de estas conversas paralelas, o lenhador aproveita a deixa, pega no cesto dos estupefacientes vai-se embora e mais tarde sabe-se que morrer de overdose.
Moral da historia: Quem muito divagueia... pouco arreia! :s